Passar noites em claro tendo falta de sono não é nada fácil. Ainda mais se no dia seguinte você apresentar irritabilidade, desatenção e cansaço. É extremamente debilitante e acontece com grande frequência. É a insônia, um mal que acomete uma parcela enorme da população. Mas o que leva as pessoas a perder a capacidade de dormir? O que faz com que indivíduos deitem à noite e, ao invés de perder a consciência num sono reparador, acabem com a mente desperta? Quais são as causas da insônia?
A insônia é um problema complicado que possui diversas causas. Porém, podemos dizer que as principais causas de insônia estão relacionadas com a genética individual, a aprendizagem na infância, a falta de controle de estímulos, a comportamentos inadequados e a crenças inadequadas. Todas essas são explicações para o Transtorno de Insônia. No entanto, existem diversas outras perturbações do sono. Apneia do sono, depressão, dores crônicas, pernas inquietas, narcolepsia, uso de drogas são problemas que geram dificuldades de dormir. No entanto, esses são transtornos que necessitam de avaliação médica especializada. Neste artigo, não vamos detalhar as razões médicas das perturbações do sono. Aqui vou explicar de forma bem didática as causas que considero mais importantes para a insônia não relacionada diretamente a um problema médico.
Sem contar outras doenças médicas como explicação, as causas mais importantes de insônia são:
1- Genética
2- Aprendizagem na Infância
3- Falta de Controle de Estímulos
4- Comportamentos Inadequados
5- Pensamentos Sabotadores
A causa genética da insônia é inegável. Aliás, a genética é a explicação para uma infinidade de problemas humanos, de doenças médicas a comportamentos destrutivos. Isso mesmo: a genética explica comportamentos. Todos nós facilmente associamos a genética com características físicas como cor dos olhos ou dos cabelos. Entretanto, esquecemos que a genética influencia enormemente os nossos comportamentos. Por exemplo, pense numa pessoa que geneticamente goste de comidas picantes. Ela nasceu com variações genéticas nas papilas gustativas da língua que lhe causam prazer ao saborear comidas fortes. Essa alteração da sua língua acaba por mudar também seus comportamentos. Ora se a sua língua prefere comidas fortes, ela vai naturalmente ter o comportamento de buscar restaurantes com comidas picantes. Assim, uma variação genética acaba influenciando um comportamento.
Vamos ver outro exemplo de alteração genética que muda a forma de agir das pessoas. Imagine alguém que é geneticamente é mas acelerado. Essa pessoa nasceu com genes que a fazem ter muita energia. Ela logicamente vai buscar atividades que a levem a gastar toda essa energia. Com isso, ela pode se transformar em alguém que curte esportes radicais, como escalada ou paraquedismo. Dessa forma uma alteração genética (ser mais acelerado) acabou gerando comportamentos (frequentar esportes radicais).
No tocante ao sono, acontece a mesma coisa. A principal causa de insônia é inegavelmente genética. Isso não quer dizer que a pessoa já nasça com insônia. Isso não acontece. Mesmo porque o nosso corpo é programado geneticamente para dormir, não para ter insônia. Vou repetir, porque é muito importante:
No entanto, as pessoas podem ter alguns genes que a impeçam de dormir adequadamente.
O um exemplo é o que ocorre na chamada Fase do Sono Adiantada. Nesse caso, a pessoa é invadida pelo sono muito antes. O sol nem se põe direito e ela já tá abrindo a boca, bocejando horrores. Veja na ilustração animada abaixo:
O que vai acontecer? Ela vai para cama cedo demais. Quando bate no máximo 20 horas, já está deitada. Ela fatalmente vai acordar de madrugada, com noite alta ainda. Daí, para não incomodar ninguém, a pessoa fica quieta na cama. Enfatizando bem: ficar na cama sem sono gera insônia. Com efeito, a pessoa desenvolve o Transtorno de Insônia.
Vamos ver outro exemplo. Pense em uma pessoa que possui genes que a levam a dormir tarde da noite. Ela é geneticamente programada para sentir sono somente após 01 hora, 02 horas da madrugada. Veja na ilustração animada abaixo.
Imagine agora que ela encontrou um trabalho que começa de manhã cedo. Ela aceita o trabalho, pensando que é só ela começar a dormir mais cedo que ela conseguirá acordar mais cedo. Com efeito, ela tenta dormir cedo, e vai se deitar às 21 horas. Ela fica na cama por horas, até que o sono chega de madrugada. Mal ela dorme, o despertador já se aciona e ela vai trabalhar com muito sono. Nas noites seguintes, ocorre uma repetição do mesmo quadro. No final das contas, ela se força a dormir cedo, mas não consegue. O grande problema é que se forçar a dormir sem ter sono é um dos maiores causadores de insônia. Assim, o descompasso entre o relógio genético e as obrigações da vida gerou a insônia. Aliás, essa dificuldade com o sono é chamada de Atraso de Fase do Sono.
Vejamos ainda mais um exemplo de alteração genética que leva à insônia. Existem ainda pessoas que têm menos sono por natureza. O organismo delas não precisa de dormir muito. São os chamados Dormidores Curtos. Se essas pessoas se forçarem a ficar na cama sem sono, mesmo tendo menos necessidade de sono, Transtorno de Insônia pode se estabelecer.
Outra causa importante de insônia é aprendizagem na infância. A meu ver essa é uma causa subvalorizada. As crianças não aprendem a ter a disciplina do sono necessária na vida. Os pais ignoram o desenvolvimento de hábitos saudáveis de sono para os filhos. Mesmo porque eles próprios não têm esses hábitos saudáveis. As crianças são criadas sem hora para dormir, pegam no sono em frente à televisão ou ao celular, são muito estimuladas logo antes de deitarem. Elas fazem atividades estressantes como o para casa logo antes de irem dormir. Outras só dormem se houver um adulto de mão dada a elas. Outras ainda só dormem na cama dos pais. Assim, elas passam os anos da infância e da adolescência. Desde tenra idade, elas fortalecem hábitos errados de sono.
Além disso, os adultos muitas vezes pioram o quadro. Os adultos geram medos nas crianças. A criança vive num mundo mágico, bem diferente do mundo adulto. Se um adulto fala que existe o “Homem do Saco” que pega criancinhas à noite, ela vai acreditar que existe o “Homem do Saco”. Ela não tem vivência para discordar do adulto. Assim à noite, quando o cérebro precisa ficar relaxado, a criança vai lembrar dessa história aterrorizante e vai acordar com medo. Imagine isso acontecendo uma, duas, várias vezes. Inevitavelmente um reflexo condicionado será criado. E a insônia pode se perpetuar por toda a vida.
A infância e a juventude são os anos em que o cérebro está sendo formado. Comportamentos, hábitos e costumes adquiridos nessa época permanecem por toda a vida. Nessa fase, o cérebro freneticamente decide quais vias neuronais vão se perpetuar. E vias neuronais nada mais são do que comportamentos, emoções e atitudes. Dessa forma, o cérebro decide quais serão os hábitos que permanecerão no adulto. Nessa época, se houver uma aprendizagem errada sobre o sono, ela fatalmente vai se perpetuar.
Isso não significa que não podemos melhorar. É difícil, mas no Tratamento da Insônia, vemos que é possível reverter um hábito errado do sono.
Aqui, não considero o termo Controle de Estímulo exatamente da forma como conceituado na Terapia Comportamental. Explico o Controle de Estímulos de uma forma mais simples e fácil de entender. Primeiramente, para compreender o Controle de Estímulos, precisamos entender a extensão de poder da nossa Consciência.
Consciência é a capacidade de perceber o que ocorre no exterior do nosso corpo e no interior da nossa mente. Antigamente, ignorava-se o Inconsciente. As pessoas acreditavam que suas consciências governavam completamente seus corpos e seus pensamentos. No entanto, no século XIX, Freud demonstrou a existência do Inconsciente. Abaixo da superfície dos nossos pensamentos manifestos, existe um oceano escondido. Freud mostrou que primariamente somos governados pelo inconsciente.
Podemos pensar que a nossa Consciência tem grande controle sobre a nossa mente e sobre o nosso corpo. No entanto, esse controle é muitíssimo menor do que a gente pensa. Não dá para estimar qual o poder que a nossa Consciência exerce sobre a nossa mente ou o nosso cérebro, mas eu diria que é mínimo. Vamos fazer uma comparação para a entender o diminuto tamanho desse poder. Nessa comparação, a nossa Consciência seria como um menino, e a nossa mente seria como uma pipa. A nossa consciência controla a nossa mente da mesma forma que o menino controla uma pipa voando bem alto. O menino pode até fazer algumas manobras, pode até conseguir que a pipa desça ou suba rapidamente. No entanto, a pipa tem a influência de um fator que é completamente alheio ao menino: o vento. Para que o controle do menino seja maior, ele precisa de empinar a pipa na estação do ano correta, no horário do dia correto, no local adequado. Só dessa forma, com todos esses fatores, ele terá o vento adequado para conduzir o brinquedo. Mas, ainda assim, se o vento decidir parar, acabou-se a brincadeira.
Mas o que isso tem a ver com Controle de Estímulos? Tem tudo a ver. Se absorvermos completamente a noção de que a nossa consciência não controla o nosso corpo, faremos um bom Controle de Estímulos. Sim, porque saberemos que não adianta deitar e pensar “vou dormir”. Nós não controlamos a nossa mente. Pensar “vou dormir agora” é como querer controlar o vento. Devemos ter a compreensão da nossa falta de poder sobre a nossa mente.
De fato, a Consciência é extremamente pequena. Uma forma de compreender isso é imaginar a quantidade de estímulos que recebemos o tempo todo. O nosso cérebro é sensibilizado por milhares de estímulos a cada segundo. O cérebro capta cores, sensações táteis, barulhos, cheiros e gostos o tempo todo. As cores dos objetos à nossa volta, a pressão da cadeira sob o nosso corpo, a temperatura do ambiente, os sons da rua ao lado, os gostos remanescentes da última refeição, tudo isso é enviado ao cérebro. Além dos estímulos externos, ainda há os internos. Nossos órgãos tem receptores neuronais que avisam quando a bexiga está cheia, quando o coração está rápido, quando a respiração está acelerada. Dessa forma, o cérebro processa uma quantidade de estímulos da grandeza dos milhares. No entanto, nós não os percebemos. Nossa Consciência só consegue focar em poucos desses estímulos. Talvez, só consigamos focar em um de cada vez.
Isso também acontece nos momentos precedentes ao sono. O cérebro é inundado por estímulos que avisam que está na hora de dormir. São milhares de informações avisando que está na hora de fechar os olhos e repousar. Porém, o que acontece se essas informações forem conflitantes? E se o cérebro receber estímulos que sinalizam que é hora de dormir, ao mesmo tempo que recebe estímulos que o acordam? Logicamente, o cérebro fica confuso e a insônia aparece.
Com efeito, uma importante causa de insônia é a Falta de Controle de Estímulos. São estímulos ambientais que mandam permanecer alerta, apesar de ocorrerem perto do horário de dormir. Esses estímulos não induzem o cérebro ao sono. Pelo contrário, eles espantam o sono. Podemos pensar que adormecer é só uma questão de fechar os olhos e começar a dormir. Isso até acontece. No entanto, se o cérebro estiver inundado por barulhos, luzes, preocupações e necessidades, ele não vai adormecer. O cérebro precisa dos estímulos corretos que o levem ao sono. Se não houver vento, não adianta o menino levar uma pipa para um descampado – ela não vai subir magicamente.
Dessa forma, precisamos controlar os estímulos que acordam o cérebro. É a Falta de Controle desses Estímulos que levam à insônia. Abaixo está uma lista de estímulos que atrapalham o sono. Entre outros, esses são os mais importantes: claridade, barulhos e ficar acordado na cama.
A claridade é de longe o principal estímulo relacionado ao sono e insônia. O nosso corpo possui um sensor biológico para detectar a claridade, chamado Núcleo Supraquiasmático. Esse sensor mostra para o cérebro quando está claro e quando está escuro. Se estiver muito claro, respostas cerebrais relacionadas à atividade são iniciadas. Por outro lado se estiver escuro, o cérebro inicia uma cascata de processos biológicos que levam ao sono. Ora se você fica com luz forte antes de dormir, esse estímulo indica ao cérebro que ainda não está na hora de começar os processos biológicos relacionados ao sono. Por isso, devemos diminuir a claridade paulatinamente antes de ir deitar.
Aqui vai uma dica. É muito prático saber que não é todo tipo de luz que estimula o sensor cerebral da claridade. Esse sensor, o Núcleo Supraquiasmático, somente é estimulado pela luz azul. Mas porque só a luz azul? Teremos de entrar um pouco em neurofisiologia para explicar. A retina possui um tipo de fotopigmento chamado de melanopsina (fotossensor). A melanopsina só é estimulada por luz de baixo comprimento de onda, que corresponde à luz azul. Luz de outros comprimentos de onda não acionam o fotossensor melanopsina. Luz vermelha, verde, amarela, rosa ou outras simplesmente não fazem a melanopsina se ativar. Somente a luz azul é capaz de estimular esse fotossensor da retina. E é a melanopsina quem aciona a via neuronal que estimula o Núcleo Supraquiasmático. Veja na ilustração animada abaixo.
A grande praticidade nisso vem de se poder diminuir ou eliminar a luz azul ao dormir. Para aqueles que ficam no celular à noite – todos nós, diga-se de passagem -, existem aplicativos que bloqueiam a luz azul. Assim, a luz do celular não vai estimular a melanopsina, não bloqueando a cascata de eventos que leva ao sono. Indico a todos procurar aplicativos de celular para filtrar a luz azul. Encontre um bom e deixe acionado todas as noites. Seu sono agradece.
Sons barulhos sem dúvida estimulam o nosso organismo. Isso é claramente demonstrado quando ouvimos uma música excitante. Uma música acelerada pode deixar nossos músculos tensos, nosso coração disparado, nossa respiração ofegante. E se o som ocorrer à noite? É de se supor que eles podem atrapalhar o sono. Imagine você dormindo com uma britadeira no andar de cima. Não há dorminhoco que durma em paz com um barulho desses.
No entanto, os ruídos talvez incomodem menos do que a gente imagina. Ruídos altos incomodam, mas apenas se forem altos o suficiente para nos acordar. Foram feitos diversos estudos em pessoas que moravam perto de barulhos intensos, como de aeroportos. Apesar de alguma controvérsia, a maioria desses estudos não encontrou diferença na qualidade do sono de pessoas que moravam perto de aeroportos e pessoas que moravam longe de aeroportos (1). Portanto, ruídos altos como os de aeroportos não atrapalham o sono necessariamente .
O principal é que o barulho atrapalha o sono principalmente se desencadear sentimentos ruins. Um indivíduo que more ao lado de uma boate pode associar o barulho da boate com irritabilidade. Ele pensara “que falta de respeito”, “preciso dormir”, “esse pessoal não tem nada melhor para fazer, não?”, “Maldita Música!”. Ele ficará irado, vermelho de ódio. Como ele conseguirá dormir com essas emoções? Sem um anestesista, impossível. Assim, por mais que barulhos altos não estejam relacionados a insônia, a irritabilidade está.
Isso não significa que não devemos controlar os estímulos sonoros. O cérebro precisa de dicas, de pistas de que está na hora de dormir. Se antes de dormir você escuta música que lembre agitação, provavelmente a tranquilidade necessária para o sono não virá. O cérebro vai acordar ao invés de dormir. Por isso, controle o ruídos para dormir melhor.
Esse é um estímulo um pouco mais difícil de se entender. Vamos recorrer aos fundamentos da Terapia Comportamental. Aqui, o conceito de estímulo seria diferente. Na Terapia Comportamental, considera-se Estímulo qualquer situação no ambiente que cause uma Resposta. Vamos considerar a Insônia como uma Resposta. Qual situação no ambiente causaria a resposta de ter Insônia?
A situação (Estímulo) que mais causa a Insônia (resposta) é Ficar Deitado sem Dormir. Veja a ilustração animada abaixo.
Na imagem, o estímulo da propaganda de refrigerante causa o comportamento de beber o refrigerante. Da mesma forma, o estímulo de Ficar Deitado Sem Dormir causa a Insônia.
É fácil entender a claridade ou os barulhos como estímulos. Eles causam diretamente sensações físicas. Entender Ficar Deitado Sem Dormir como um estímulo é mais complexo. Para compreender melhor vamos frisar. Na Terapia Comportamental, o conceito de Estímulo é tudo que causa Resposta. Se entendemos que a Insônia é uma Resposta, obrigatoriamente devemos procurar por um Estímulo. Pesquisas mostram que Ficar Deitado Sem Dormir é um dos maiores estímulos para a Insônia.
Ficar Deitado Sem Dormir é:
Ir para cama sem sono
Ter comportamentos inadequados na cama (exemplo, assistir TV)
Acordar de madrugada e ficar deitado sem dormir
De manhã cedo, ficar na cama sem dormir, só com preguiça de levantar
Esses comportamentos causam a insônia, pois condicionam o cérebro a “enxergar” a cama como um lugar de intranquilidade e até de sofrimento. Acontece a associação abaixo:
Para a mente, acaba que ficar na cama se equivale a ter falta de repouso. Com o decorrer de meses e até de anos, esse pareamento se reforça e a insônia toma vida própria.
Assim, devemos evitar esses comportamentos para treinarmos nosso cérebro a associar a cama com o dormir.
Vejamos agora vários comportamentos que atrapalham o sono. É importante lembrar que a insônia não possui apenas uma causa. Você não pode culpar exclusivamente um dos comportamentos abaixo como causador da insônia. Da mesma forma, não é por que você realiza um desses comportamentos que você terá insônia. A insônia é multifatorial. A insônia aparece quando se acumulam alguns ou vários comportamentos causadores de insônia. Veja na ilustração animada abaixo:
Na imagem animada, o indivíduo sobe os degraus até ele chegar em outro andar. Cada degrau seria um comportamento inadequado em relação ao sono e o andar acima seria o andar da insônia. Quando o indivíduo subiu degraus suficientes (acumulou comportamentos inadequados), ele chega a outro andar (desenvolve a insônia).
Vamos analisar alguns desses comportamentos que atrapalham o sono. São eles:
. Alimentação Pesada em Horário Inadequado
. Falta de Atividades Físicas
. Atividades Ativadoras Antes de Dormir
. Atividades Estressantes em Horário Inadequado
. Consumo de Estimulantes Em Horários Inapropriados
Um comportamento que atrapalha bastante o sono é a ingestão de alimentação pesada logo antes de se deitar para dormir. Considero alimentação pesada os seguintes alimentos:
. Alimentos ricos em proteína animal, principalmente carnes
. Alimentos ricos em gordura
. Grandes volumes de alimentos ricos com carboidratos
Na verdade, qualquer refeição volumosa antes de se deitar é muito problemática para o sono. O cérebro precisa de indicativos de que está na hora de dormir. Quando comemos, mandamos a mensagem para o cérebro de que não está na hora de dormir, mas na hora de se alimentar. Claro que um lanche leve de fácil digestão é bom e até favorece o sono. No entanto, comidas pesadas, com muita proteína e gordura, não ajudam o sono. Existem várias explicações para isso. Veremos duas abaixo.
A primeira explicação se relaciona com o número de neurônios no estômago e no intestino. O trato gastrointestinal é o órgão que mais possui neurônios fora do cérebro. Quando você come logo antes de dormir, todos esses neurônios são estimulados, ficam excitados e soltam neurotransmissores. Toda essa ativação de neurônios no estômago e intestinos certamente influencia os neurônios do cérebro, deixando estes ativos também. E logicamente os neurônios do cérebro precisam estar em estado de sono, não ativos, para podermos dormir.
Outra explicação tem a ver com a temperatura corporal. A temperatura corporal se altera após as refeições, devido ao trabalho de digestão dos alimentos. Todos os músculos do estômago e do intestino contraem e relaxam para empurrar o bolo alimentar. O peristaltismo empurra esse bolo alimentar por vários metros através da longa extensão do tubo digestivo. Várias glândulas são acionadas e secretam substâncias para quebrar os alimentos. A irrigação sanguínea aumenta nesses órgãos, para auxiliar na digestão. Todo esse trabalho digestivo eleva temperatura corporal. Não é uma elevação enorme como acontece numa febre. Nem é um aquecimento forte como ocorre numa ginástica ou numa corrida. É apenas o acréscimo de alguns décimos de graus centígrados na temperatura corporal. No entanto, essa elevação afeta todo o corpo. E na hora do sono o organismo precisa justamente do oposto. Durante o sono a temperatura corporal diminui. O organismo luta para abaixar a temperatura para dormir, mas o trabalho de digestão dos alimentos aumenta a temperatura, atrapalhando o sono. Por isso alimentação pesada logo antes de dormir é ruim para o sono.
Por outro lado, o aumento passivo da temperatura corporal pode facilitar o sono. Estudos mostram que em idosos, o aumento passivo da temperatura corporal (banhos mornos antes de dormir, cobertores), ativam áreas cerebrais que propiciam o sono.
Todo mundo já passou pela experiência de dormir após uma refeição muito pesada. A gente pode até pegar no sono rapidamente. No entanto, de madrugada, ficamos inquietos, suamos, temos sonhos mais vívidos. Para evitar isso, devemos comer comidas leves e de fácil digestão antes de dormir. Evitar alimentação pesada logo antes de dormir é um bom comportamento para um sono saudável.
Praticamente todas as especialidades médicas recomendam atividade física regular. A atividade física ajuda os seus músculos e ossos (Ortopedia), a sua pele (Dermatologia), o seu coração (Cardiologia), os seus pulmões (Pneumologia), os seus intestinos (Gastroenterologia), os seus rins (Nefrologia), o seu metabolismo (Endocrinologia). Os exercícios ajudam nas dores no corpo (Reumatologia, Anestesia), no bem-estar (Geriatria, Clínica Médica). A lista de especialidades é enorme e praticamente todas recomendam atividades físicas. Com a Psiquiatria e a Medicina do Sono não é diferente. O seu sono vai melhorar muito se você fizer atividades físicas regulares.
Entretanto, são necessário alguns cuidados. Atividades físicas extenuantes logo antes de ir dormir podem atrapalhar. Isso acontece porque os exercícios ativam tanto o corpo, quanto a mente. Na atividade física, o seu organismo se prepara para o movimento, para a agitação. Ele libera hormônios, aumenta a temperatura, acelera o coração e os pulmões, desvia a circulação sanguínea para os músculos. Tudo isso é exatamente o oposto do que o necessário para começar a dormir.
Se você se exercitar forte à noite, o sono não vai vir logo. Você vai ficar horas ativo, procurando coisas para fazer em casa, iniciando atividades diferentes, vendo séries na TV. Depois de algumas horas você vai se assustar e já será quase madrugada. Vai dizer:
-Preciso dormir!
Você vai se deitar e o sono ainda vai demorar um pouco. Seu tempo de sono ficará reduzido, principalmente se você tiver de acordar cedo no dia seguinte. Assim, atividades físicas fortes antes de dormir encurtam o seu sono.
Por outro lado, as atividades físicas melhoram muito o sono – desde que longe do horário do dormir. Diversas pesquisas mostram que não só a qualidade do sono melhora, como também a duração do sono. Isso acontece provavelmente porque o organismo de fato fica cansado. Nas atividades físicas, tanto o corpo quanto a mente ficam ativos. Tanto os músculos quanto os neurônios são acionados. Assim, o corpo precisa se recuperar e repousar.
A mente precisa de dicas de que está se aproximando a hora de dormir.
Inúmeras são as pistas que indicariam isso: a claridade diminui, os sons se amenizam, as atividades vão se reduzindo. No entanto, se o indivíduo inicia atividades ativadoras logo antes de dormir, ele está dizendo ao seu cérebro que está na hora de ficar atento.
Devemos ter em mente que a nossa consciência é muito estreita. Existem milhares de coisas acontecendo no nosso cérebro que não temos a mínima ideia. Para entendermos melhor, vamos fazer uma metáfora. Imagine que o cérebro fosse um gigantesco sistema fluvial. As vias neuronais seriam como rios cerebrais fluindo para um destino. Agora, vamos pensar que esse destino é dormir. À noite, todo esse volume de água nasce das mais diferentes minas, vai confluindo em rios maiores até desemborcar no mar (dormir). Quando realizamos atividades estressantes à noite, estamos confundindo o nosso cérebro, estamos atrapalhando esse sistema fluvial. Estamos colocando represas, fazendo canais, elevando diques, desviando cursos d’água. Claro que a água eventualmente vai chegar ao mar, mas a custo de muito tempo. Por isso, devemos facilitar o nosso sono, não dificultá-lo. Devemos sempre facilitar o curso do sono.
Mas como devemos ajudar a nossa mente a dormir? Já diz o ditado que “muito ajuda quem não atrapalha”. É isso que devemos fazer. Não devemos atrapalhar o caminho natural do organismo. Nós somos programados para dormir. Vou enfatizar, devida à importância:
Não devemos dificultar o fluxo do sono. Conseguimos isso simplesmente não fazendo atividades ativadoras antes de dormir. São incontáveis as atividades que atrapalham o sono quando realizadas antes de se deitar. Abaixo, listo algumas:
. Atividades físicas (discutido no tópico acima)
. Faxina e tarefas domésticas
. Jogos eletrônicos
. Filmes excitantes
. Conversas acaloradas
. Brincadeiras movimentadas
. Assistir jogos do seu time do coração
Devemos evitar essas atividades. Não que elas causem insônia em 100% das vezes. No entanto, a soma dessas atividades com outros fatores causadores de perturbação do sono favorecem a insônia.
Este item se refere a qualquer comportamento ou tarefa que cause estresse logo antes do horário do sono. Nossa vida cotidiana nos demanda muito. Somos constantemente bombardeados com exigências. Devemos estudar, trabalhar, ganhar dinheiro. Devemos estar sempre dispostos e em dia com as obrigações. Mesmo atividades supostamente prazerosas se tornam obrigação. Nós nos sentimos forçados a assistir todos os capítulos da minissérie de TV. Ou nos obrigamos a curtir todos os posts de todo mundo nas mídias sociais. Tudo isso pode ser considerado estresse.
O mais importante é aceitarmos a nossa incapacidade de lidar com o estresse. Se subestimarmos o estresse, inevitavelmente vamos perder para ele. Parece fácil só enviar um último e-mail do trabalho, não é? É simples abrir seu orçamento e verificar os gastos mensais, não é? É super fácil abrir a rede social por uma última vez para verificar as novidades, não é? Não! Não devemos fazer isso. São mais exigências que estamos aceitando. São mais atividades estressantes que estão nos consumindo. Por mais que pareçam simples, elas nos acordam. Elas nos exigem atenção, nos exigem respostas. Essas atividades ligam o nosso cérebro e nos afastam da tranquilidade necessária para dormir bem.
Agora vamos falar das atividades que são de longe as mais estressantes. Para compreender bem as atividades mais estressantes, vou enfatizar o seguinte.
O Ser Humano definitivamente não vive, dorme, trabalha e come sozinho. Pode até existir um ou outro solitário, mas eles são exceção e provavelmente possuem algum transtorno mental. A regra é que as pessoas precisam das outras. Somos programados geneticamente para nos aproximarmos dos outros. Afastar dos outros é doloroso. Tanto é doloroso que a maior pena nos presídios é justamente ficar na solitária. Nas escolas, tirar um menino da companhia dos colegas e colocá-lo isolado na secretaria é punição bastante eficiente. Dar um simples “gelo” em alguém causa bastante desconforto. Claramente as pessoas precisam umas das outras.
Está certo, as pessoas precisam umas das outras. Mas o que isso tem a ver com as atividades mais estressantes que atrapalham o sono? As atividades mais estressantes são justamente aquelas que causam o afastamento das outras pessoas. Qualquer atividade que possa significar distanciamento dos outros deve ser evitada à noite. E quais seriam atividades? Abaixo, uma pequena lista de atividades que não devem ser realizadas à noite, pois pioram o sono:
. Discutir relação conjugal
. Cobrar responsabilidade de um filho(a) adolescente
. Pedir aumento de mesada aos pais
. Fazer críticas em mídias sociais
. Fazer (ou receber) ligações de parentes chatos
Essa lista pode parecer engraçada, mas ela é bem verdadeira. Essas atividades não devem se realizadas logo antes de ir dormir. Elas podem causar uma grande variedade de emoções negativas, atrapalhando o sono. São atividades que tem um potencial enorme de causar afastamento entre as pessoas. O afastamento gera insegurança. E insegurança é tudo o que alguém que está para dormir não precisa.
Você já sabe que tomar café antes de dormir prejudica o sono. Você provavelmente já escutou alguém dizendo que, apesar disso, bebe uma boa xícara de café à tardinha ou mesmo à noite. Essa pessoa, apesar do comportamento inapropriado, diz que dorme muito bem. Pois bem, em quem acreditar? Ora, há espaço para crer nas duas afirmações.
No nosso cérebro, existem forças internas que empurram para o sono e forças que nos puxam para ficar acordados. Quando as forças que fazem dormir estão vencendo, o resultado é o sono. Ao contrário, quando as forças de acordar estão ganhando, o resultado logicamente é a vigília. Na ilustração animada abaixo, vemos essa dinâmica.
Pois bem, o café é uma força importante que puxa para ficarmos acordados. Entretanto, acontece de tomarmos uma boa xícara do estimulante e ainda assim dormimos bem. Isso significa que a força ativadora do café não foi suficiente para vencer o sono. Pelo menos, não foi suficiente nesse dia específico. No entanto, eventualmente nós ficaremos ansiosos por algum motivo. Ficaremos estressados ou teremos algum outro evento que atrapalhe o sono. Aí, essas duas forças combinadas certamente prejudicarão muito o sono.
O estimulante mais comum no nosso meio que atrapalha o sono é o café. No entanto, existem outros igualmente prejudiciais. Abaixo, uma lista de estimulantes que devem ser evitados logo antes de ir dormir:
. Café
. Chimarrão
. Chá preto
. Chá verde
. Refrigerantes de cola
. Guaraná
Crenças inadequadas sobre o dormir é um dos 5 grandes causadores de insônia. Essas crenças são construídas ao longo da vida e são bastante fortes. Um grande trabalho psicológico é necessário para enfraquecê-las. Este site ajuda a minar essas crenças, mas na maioria das vezes é necessário um trabalho em parceria com um psicólogo.
Abaixo, algumas crenças inadequadas sobre o sono que estão disseminadas:
Não posso acordar nenhuma vez à noite
Se eu acordar, não volto a dormir
Preciso dormir muito para funcionar no dia seguinte
Tenho insônia desde sempre
O sono mais gostoso é o da manhã
Meu sono é muito leve
Não consigo dormir muito
Essas crenças tem um grande potencial de causar insônia. Também podemos dizer que elas são falsas totalmente ou em grande parte. Isso porque o nosso organismo foi feito para dormir. Nunca é suficiente repetir:
Essas crenças inadequadas sobre o sono tem em comum a falta de evidências concretas. Alguém pode dizer:
-Como assim falta de evidências? Eu passo noites acordado. Isso para mim é evidência mais do que suficiente…
Porém, vamos analisar outro conceito importante na Ciência. É o conceito de Viés. No dicionário, Viés significa inclinado, na diagonal. Aqui, podemos dizer que Viés significa erro, falha de interpretação da realidade. A realidade é incrivelmente vasta. Ela é mesmo infinita. Já dissemos que a nossa consciência é estreita e consegue reter apenas alguns estímulos de cada vez. Por isso, o Viés é tão comum. A nossa Consciência estreita somada à realidade infinita causa Viés. Veja na fórmula abaixo:
REALIDADE INFINITA + CONSCIÊNCIA ESTREITA = VIÉS
Nós interpretamos a realidade de forma extremamente enviesada o tempo todo. Isso é inerente ao ser humano. Um experimento que você pode fazer com você mesmo é olhar para uma sombra qualquer à noite. Fique olhando atentamente por vários minutos. Logo sua mente vai começar a imaginar alguma figura animada relacionada à sombra. Ela pode assumir a forma de um animal ou mesmo um monstro. Há um animal ali? Não! Muito menos um monstro. Mas a nossa mente criou essa figura. Dependendo da situação, podemos crer profundamente que vimos de fato um ser real numa sombra qualquer. Isso é erro de interpretação. Isso é um tipo deViés.
Em relação ao sono, a nossa mente apresenta muito Viés. Ainda mais porque à noite já estamos num ambiente escurecido, com poucos sons, poucos estímulos. E também porque já estamos num estado mental parcialmente acordado e parcialmente dormindo. Como podemos ser exatos nessas condições? Impossível. Com certeza vamos interpretar um pequeno acordar à noite como sendo horas em claro. Vamos pensar que acordamos diversas vezes, quando apenas ficamos alertas algumas vezes.
Com o decorrer dos anos, esse Viés vai se acumulando. Os erros de interpretação de várias noites vão se consolidando em Crenças Inadequadas Sobre o Sono. A cada noite, essas crenças buscam e encontram evidências de que são verdadeiras. E as próprias crenças fortalecidas se transformam em Profecias Auto-Confirmatórias.
Profecia Auto-Confirmatória é mais uma definição interessante em Psicologia. Em relação ao sono, a Profecia Auto-Confirmatória assume o seguinte processo:
Digo :”Eu não durmo bem”
“Já que eu não durmo bem, vejo séries de TV à noite”
Ver séries de TV à noite pioram o sono.
O sono de fato fica ruim
A profecia se confirma: “Não disse que não durmo bem?”
Há várias formas de enfraquecer crenças inadequadas sobre o sono. Em terapia conseguimos os melhores resultados. Outra forma é entendermos como o sono de fato funciona. Saber que o sono não é homogêneo ajuda bastante. Nós passamos por várias fases enquanto dormimos. Ora o nosso sono está bastante profundo, ora está superficial, ora acordamos rapidamente, ora sonhamos intensamente. Isso é o normal. O Anormal é capotar na cama, deitar e acordar no dia seguinte na mesma posição. Isso é sono de anestesia, sono que não revigora.
Veja no esquema animado abaixo como é o sono Normal:
Esse exame é uma polissonografia. A polissonografia registra diversos aspectos do nosso sono. Nesse esquema ilustrado vemos que o sono varia de profundidade durante a noite. Também podemos ver que acordar durante o sono é comum e não é considerado anormal. Saber isso nos ajuda a enfraquecer Crenças Inadequadas Sobre o Sono.
Devemos enfraquecer os pensamentos errados sobre o nosso sono. Isso é um grande passo para o dormir saudável.
Neste artigo você viu as principais causas de Insônia. O que você achou ? Gostaria de discutir algo? Entre em contato, que ficaremos felizes em ajudar.
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(1) Prev Chronic Dis. 2015; 12: E49. Published online 2015 Apr 16. doi: 10.5888/pcd12.140551 PMCID: PMC4415411 PMID: 25880768
Airport Noise and Self-Reported Sleep Insufficiency, United States, 2008 and 2009 James B. Holt, PhD, MPA,corresponding author Xingyou Zhang, PhD, MS, Natalia Sizov, PhD, and Janet B. Croft, PhD
(2) Behaviour Research and Therapy 40 (2002) 869–893
A cognitive model of insomnia A.G. Harvey *
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